Desde a segunda guerra mundial, o dólar dos Estados Unidos (EUA) tem sido a espinha dorsal do sistema financeiro global, servindo como principal moeda para o comércio internacional, emissão de dívida global e composição das reservas dos bancos centrais. Contudo, sua participação nessas reservas vem diminuindo, colocando a prova por quanto tempo o domínio do dólar pode se perpetuar.
Nesse contexto, a projeção que se faz, considerando os cenários discutidos pelo Conselho Consultivo do OMFIF – um fórum independente de bancos centrais, política econômica e investimento público -, é que o domínio do dólar nas reservas globais de moeda tende a cair dos atuais 60% para entre 45% e 40% até 2050.
Paralelamente, conforme expõe a edição de 2024 do relatório “Investidor Público Global” do OMFIF, os gestores de reservas dos bancos centrais pesquisados antecipam que a participação do dólar nas reservas mundiais será reduzida para cerca de 55% em dez anos.
De qualquer forma, olhando para trás, dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) revelam que o domínio do dólar já registrou um declínio de dez pontos percentuais nas reservas cambiais em todo o mundo nos últimos 20 anos.
Mas afinal, o que pode influenciar essa queda gradual na relevância da moeda norte-americana no sistema financeiro internacional e até quando o domínio do dólar pode continuar?
É o que discutem analistas de mercado como David Marsh e Arunima Sharan, respectivamente, presidente e economista sênior do Instituto de Política Econômica e Monetária do OMFIF.
Em artigo recentemente publicado no site do OMFIF, eles procuram trazer possíveis respostas para essas questões.
O que pode acelerar e enfraquecer o domínio do dólar
Segundo Marsh e Sharan, a queda gradual nas reservas globais, juntamente com um aumento na importância do euro e do yuan renminbi, é vista como uma consequência natural da diminuição da importância relativa dos EUA na economia mundial.
Com base no que disseram os participantes da reunião do conselho consultivo do OMFIF, realizada em meados de outubro, em Washington, eles destacam que um dos fatores que pode acelerar a queda do domínio do dólar estadunidense são as ações mais agressivas por economias de mercado emergentes, visando promover o uso de moedas não-dólar.
Entre essas ações, vale lembrar a iniciativa dos BRICS – grupo de países originalmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul -, que já há algum tempo vem discutindo a criação de opções ao sistema financeiro internacional atual. As propostas do grupo vão desde a adoção de suas moedas nacionais nas operações comerciais entre os países-membros, ao uso de moedas digitais a fim de diminuir a dependência ao dólar.
Ainda de acordo com eles, outro aspecto que tende a contribuir para enfraquecer o domínio do dólar nas reservas globais corresponde aos sucessivos déficits no orçamento e na conta corrente dos EUA, em linha com o que também disseram os participantes da reunião do conselho do OMFIF de outubro.
Os esforços de internacionalização do yuan
Complementarmente, Marsh e Sharan destacam a crescente influência econômica da China e os esforços para internacionalizar o yuan renminbim moeda oficial da China, o que vem gerando especulações sobre uma possível mudança na ordem monetária internacional.
No entanto, eles avaliam que obstáculos significativos impedem que o renminbi possa avançar como alternativa para reduzir o domínio do dólar.
Conforme eles disseram, a moeda chinesa parece um candidato improvável para substituir o dólar, mesmo em um período mais longo. Isto porque, cerca de 12% dos gestores de reservas ouvidos na mais recente edição do relatório “Investidor Público Global” estavam procurando reduzir as participações em renminbi nos próximos 12 a 24 meses.
Questões como a geopolítica e a transparência instável do mercado, segundo eles, foram vistas como impedimentos importantes de curto prazo para investir em ativos financeiros chineses.
Entretanto, Marsh e Sharan observam que, no longo prazo, as alocações para o renminbi devem aumentar, pois os gestores de reservas antecipam que sua participação nas reservas globais dobrará para 5,6% nos próximos dez anos, frente aos 2,3% de agora.
Já quanto ao euro, a próxima moeda de reserva mais amplamente mantida, eles apontam que a divisa enfrenta seus próprios desafios da fragmentação política europeia e do crescimento estagnado.
Dessa forma, os especialistas apontam que as moedas com maior probabilidade de lucrar com o declínio gradual do domínio do dólar podem ser as de outros países industrializados, incluindo a libra esterlina e os dólares australiano e canadense.
A influência dos ativos digitais
Adicionalmente, Marsh e Sharan destacam a crescente popularidade dos ativos digitais como outro fator capaz de influenciar as alocações de moeda e contribuir para acelerar a redução do domínio do dólar.
Nesse sentido, eles chamam a atenção para a crescente valorização da tecnologia blockchain para usos além de criptomoedas.
Razão pela qual, emendam, mais inovação e criatividade podem ser esperadas na área de pagamentos nos próximos anos, com as moedas digitais de banco central (CBDCs na sigla em inglês) e plataformas multi-CBDC alterando potencialmente o cenário das finanças internacionais.
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