A maior conectividade entre os países e a digitalização acelerada modificaram a maneira como as pessoas compram, assim como recebem e remetem dinheiro internacionalmente. Hoje, os pagamentos transfronteiriços já fazem parte do dia a dia de milhares de indivíduos ao redor do mundo, alcançando cada vez mais importância no ecossistema financeiro global.
Nesse sentido, é unanimidade entre governos e reguladores a necessidade de tornar os pagamentos transfronteiriços mais eficientes, transparentes e inclusivos, a fim de facilitar e baratear as transações.
Afinal, as pesquisas mais recentes, como a do Banco da Inglaterra, projetam que o valor dos pagamentos transfronteiriços atinja globalmente US$ 250 trilhões já em 2027, um salto de mais de 60% em dez anos, considerando que, em 2017, essa cifra somava US$ 150 trilhões.
Entretanto, a maneira como os pagamentos transfronteiriços podem ser aprimorados não encontra o mesmo alinhamento, e até mesmo se sobrepõe, diante das diferentes abordagens dos principais blocos econômicos e reguladores internacionais, bem como das forças geopolíticas em ascensão.
Enquanto entidades como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Conselho de Estabilidade Financeira (FSB na sigla em inglês), bem como o G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo) tendem a caminhar na mesma direção, os Brics – originalmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, e que vêm se posicionando cada vez mais como uma voz alternativa na remodelação da ordem financeira global, enxergam a questão de outra maneira.
Para completar, a falta de unanimidade quanto a evolução dos pagamentos transfronteiriços é ainda maior tendo em vista a associação de muitos países dos Brics no G20, criando um dilema de posicionamento estratégico.
Pagamentos transfronteiriços e a proposta de um sistema financeiro multipolar
Contrapondo-se ao domínio das estruturas monetárias internacionais tradicionais, os Brics procuram priorizar a autonomia regional e a soberania financeira, o que desafia diretamente os sistemas de pagamentos globais estabelecidos, como o Swift, segundo destaca Udaibir Das, consultor sênior não residente no Banco da Inglaterra e no Fórum Internacional para Fundos Soberanos.
Em artigo publicado no OMFIF, Das coloca que no cerne dessa estratégia está a criação de um sistema de pagamentos transfronteiriços próprio, baseado na tecnologia blockchain, projetado para facilitar transações em moedas locais, reduzindo a dependência de moedas internacionais dominantes, notadamente o dólar estadunidense.
Paralelamente, os Brics também vêm estudando o desenvolvimento de uma moeda digital na tentativa de aprimorar os pagamentos transfronteiriços e atenuar a diferença cambial das moedas dos países-membros em relação ao dólar.
Entre essas alternativas, a mais criticada tem sido a criação de uma moeda comum do bloco, que vem enfrentando a oposição de um extenso “coro” de economistas, ao qual se junta Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central brasileiro (BC), que recentemente declarou que não vê sentido na iniciativa.
Sua declaração soa forte, visto que o Brasil é integrante dos Brics, cuja estratégia desafia o sistema monetário e de pagamentos existente.
Ao falar em um painel durante a UK Brazil Conference deste ano, em Londres, Campos Neto disse que o progresso dos sistemas de pagamentos instantâneos digitais em vários países descartaria a necessidade de desenvolvimento de moedas comuns em blocos econômicos, como o que propõe os Brics.
Na sua visão, o futuro dos pagamentos transfronteiriços passa pelo uso das moedas soberanas de cada país por meio da conexão global dos sistemas de pagamentos instantâneos nacionais, funcionando como uma espécie de “Pix internacional”.
Em defesa do aprimoramento da atual estrutura de pagamentos
Enquanto isso, o G20 aposta em uma outra abordagem para melhorar os pagamentos transfronteiriços.
Em conjunto com o FSB, o FMI e o Banco Mundial, o grupo definiu um roteiro focado em aprimorar o sistema de pagamentos existente.
Ao contrário dos Brics, Udaibir Das relata que a iniciativa do G20 visa melhorar gradativamente o sistema atual por meio de atualizações técnicas, priorizando transações transfronteiriças mais rápidas e transparentes, continuando a usar o Swift, afirma, pelo menos por enquanto.
Conforme disse, essa divergência representa duas visões concorrentes: o impulso dos Brics para uma infraestrutura financeira multipolar versus o objetivo do G20 de fortalecer e modernizar o atual sistema centrado no dólar.
Ainda mais considerando que a África do Sul, Brasil, China, Índia, Rússia e a Arábia Saudita, recentemente aceita nos Brics, também são associados ao G20, o que, conforme Das, reflete a sobreposição de interesses e estratégias.
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