Reforma financeira: propostas para atender às novas necessidades globais

Estudo propõe mudanças em três áreas: governança financeira, gestão da dívida soberana e financiamento para o clima, tendo em vista a nova dimensão adquirida pelos países do Novo Sul na dinâmica econômica atual.
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Equipe Propague
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Desenvolvida há oito décadas, em 1944, na Conferência de Bretton Woods, a atual arquitetura financeira vem sendo alvo de críticas por não ser mais capaz de responder às necessidades do mundo do Século XXI. Por isso, muitas vozes, como a de António Guterresdo, atual secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), apelam para uma ampla reforma financeira.

Entre as propostas que deverão ser discutidas na próxima conferência da ONU em setembro de 2024, a mais recente é um relatório assinado por Otaviano Canuto, Hafez Ghanem e Youssef El Jai, do Centro de Políticas para o Novo Sul, e Stéphane Le Bouder, do Centro Africano do Atlantic Council.

De acordo com eles, como a humanidade enfrenta enormes desafios, incluindo alterações climáticas, pandemias, aumento de conflitos, desglobalização, migração em massa e rivalidade entre superpotências, existe a necessidade premente de uma nova reforma financeira, readequando o sistema atual para que possa lidar com essas questões.

Desse modo, fomentada por essa dinâmica de mudanças, a publicação propõe uma reforma financeira focada em três áreas: governança financeira, gestão da dívida soberana e aumento do financiamento para o clima e desenvolvimento sustentável, tendo em vista, principalmente, a dimensão que os países do Novo Sul adquiriram na dinâmica econômica atual.

Possíveis mudanças na governança financeira

Com relação à governança, na avaliação dos autores, uma reforma financeira aponta para a necessidade de o sistema conferir aos países do Novo Sul uma voz proporcional à sua dimensão e papel na economia atual.

Apenas 44 delegações participaram de Bretton Woods, ante os 190 membros do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial hoje.

Canuto, Ghanem, El Jai e Le Bouder lembram que a África foi representada na conferência por somente quatro países: Egito, Etiópia, Libéria e África do Sul. À época, os três primeiros eram apenas nominalmente independentes e a África do Sul era governada por um regime minoritário de apartheid. 

Desse modo, todos os 54 países africanos querem garantir que a arquitetura financeira internacional seja capaz de refletir seus interesses.

Além disso, eles observam, por exemplo, que o Produto Interno Bruto (PIB) da Índia é maior do que o do Reino Unido, no entanto, a participação da Índia nas quotas do FMI é de apenas 2,75%, enquanto a do Reino Unido é de 4,23%.

Por essa razão, o primeiro passo seria ajustar a fórmula de atribuição de quotas do FMI para refletir as novas realidades econômicas, sociais e demográficas do mundo de hoje, desvinculando o acesso ao financiamento do FMI do tamanho da quota de um país.

Paralelamente, eles também propõem introduzir a regra de dupla maioria, ou seja, maioria das ações e maioria dos membros, para as decisões tomadas pelas instituições financeiras internacionais.

Na sequência, a reforma financeira deveria separar as funções de chefe executivo do Banco Mundial e do FMI das de presidente do conselho, reservando esse cargo para o Novo Sul.

Finalmente, eles sugerem expandir os conselhos de administração do Banco Mundial e do FMI, adicionando dois a três diretores independentes do setor privado e da sociedade civil.

A gestão da dívida soberana no âmbito de uma reforma financeira global

Olhando para a gestão da dívida soberana, a publicação alerta para os riscos de sustentabilidade da dívida e do advento de mais uma crise mundial, que vêm aumentando consideravelmente em países do Novo Sul.

Isso está acontecendo por conta de uma combinação de elevadas necessidades de investimento, baixas receitas internas, baixas taxas de juros e uma maior disponibilidade de crédito por parte de credores privados nessas jurisdições.

O relatório expõe que, de acordo com o Banco Mundial, cerca de metade dos países mais pobres do mundo estão atualmente em situação de sobre-endividamento ou em alto risco de isso acontecer.

Dessa forma, são quatro as propostas de reforma financeira no campo de gestão da dívida soberana: introduzir um sistema baseado no mercado para comprar títulos da dívida insustentáveis, como as obrigações Brady da década de 1980; implementar uma iniciativa de alívio da dívida para o clima, inspirada na Iniciativa para os Países Pobres Altamente Endividados (HIPC); considerar a criação de um mecanismo soberano de falência e, por fim, fazer com que o G20 adote um quadro para encorajar a participação dos credores privados nas negociações da dívida.

Aumento do financiamento para mitigar a crise climática

Na defesa de um aumento do financiamento para combater a crise climática e promover o desenvolvimento econômico sustentável no âmbito de uma reforma financeira, a publicação toma como base um relatório de 2023 preparado para o G20 por um grupo de peritos sobre a reforma do Banco Multilateral de Desenvolvimento (BMD).

Conforme o documento, as necessidades totais de financiamento para o Novo Sul são de cerca de US$3 trilhões anuais, dos quais US$1,8 trilhão é para a ação climática e US$1,2 trilhão para outros objetivos de desenvolvimento sustentável. Do montante total, US$1,3 trilhão deve ser destinado apenas para a África.

Ademais, o sistema financeiro global precisa aportar US$500 bilhões adicionais, enquanto o capital privado internacional deve suprir uma ajuda extra de US$500 bilhões.

Afinal, o financiamento da mitigação climática é uma prioridade máxima e um bem público global, sendo necessária uma ação urgente porque, de acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas, o mundo não está no caminho certo para cumprir a meta do Acordo de Paris e parece improvável que isso aconteça. 

Assim, para acelerar uma solução, entre as propostas para uma reforma financeira global, os autores recomendam que o Banco Mundial e outros bancos de desenvolvimento se concentrem no financiamento de bens públicos nacionais, atentando-se para a adaptação climática, perdas, danos e uma transição justa.

Adicionalmente, sugere a criação de um banco verde, que poderia ser completamente independente ou estar sob a esfera do Banco Mundial. Nesse sentido, essa nova entidade poderia ser uma parceria público-privada e substituiria os atuais 62% dos fundos de mitigação climática.

Por fim, deve-se redobrar os esforços para criar um mercado de carbono global, trabalhando para ligar os mercados regionais existentes e implementar um sistema regulador forte.

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