Pleito antigo no cenário político e econômico nacional, a reforma tributária finalmente está ganhando forma. Contudo, embora aprovada em dezembro de 2023, ela ainda depende de leis complementares para implementação.
Além de converter cinco tributos sobre a produção e o consumo em apenas dois, a nova regulamentação se sobressai por conter regras beneficiando a população de baixa renda, sobretaxando produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente e pela adoção do split payment (pagamento dividido na tradução direta), mecanismo visando tornar a arrecadação mais eficiente.
Para começar, PIS (Programa de Integração Social), Confins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), na esfera federal; ICMS (Imposto sobre a Circulação de Bens e Serviços), na estadual; e ISS (Imposto sobre Serviços), na municipal, se transformarão em um imposto sobre valor agregado (IVA) dual, ou seja, separado em dois tributos, objetivando evitar taxação cumulativa.
Conforme Bernardo Appy, secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, haverá uma alíquota referencial de 26,5%, dividida nesses dois tributos. Primeiramente, 8,8% equivalente à CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), cobrada pela União, e mais 17,7% do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), partilhados entre estados e municípios.
Para isso, em maio, a pasta encaminhou ao Congresso o Projeto de Lei Complementar 68/2024, regulamentando a CBS e o IBS e detalhando as regras gerais, que devem obedecer a uma transição que vai de 2027 a 2032.
Para aliviar a carga tributária sobre os mais pobres, o texto especifica 15 itens da cesta básica sobre os quais os dois novos tributos não incidirão e cria um cashback para esse fim, instrumento pelo qual devolverá integral ou parcialmente tributos pagos sobre o consumo.
Adicionalmente, explica o funcionamento da tributação extra sobre o split payment, assim como sobre os itens danosos à saúde e ao meio ambiente.
Maior expectativa recai na isenção da cesta básica
Vista como uma das mudanças mais positivas da reforma tributária para o consumidor, outra proposta do governo federal é isentar por completo a cobrança de tributos sobre itens que integram a cesta básica nacional.
Atualmente, somente os tributos federais não incidem sobre esse grupo de alimentos, enquanto os estaduais e municipais têm alíquotas menores e que só valem para alguns produtos da cesta. Aliás, essas são regras que ainda podem variar de acordo com a localidade.
Dessa forma, compõem a proposta governamental, itens a exemplo do arroz, feijão, alguns tipos de pães e massas, assim como de frutas e produtos hortícolas, leite, açúcar, café, ovos, frutas, manteiga e margarina.
Complementarmente, proteínas, como carnes bovinas, caprinas, suínas e de aves e de peixes, poderão ter uma diminuição parcial de 60% ante a alíquota-padrão, saindo de 15,8% para 10,6%.
Paralelamente, outros itens como produtos lácteos e óleos vegetais também poderão ser contemplados nessa regra. Assim como produtos de higiene pessoal e limpeza normalmente comprados por famílias de baixa renda, entre outros.
Juntamente com os itens da cesta básica, as alíquotas da CBS e do IBS também poderão ser zeradas sobre o consumo, por exemplo, de utensílios e equipamentos médicos, de acessibilidade para pessoas com deficiência (PCDs) e com Transtorno do Espectro Autista (TEA), em cerca de 390 medicamentos e ainda sobre a prestação de serviços de transporte público coletivo de passageiros.
O que é o cashback proposto pela reforma tributária?
O que o Projeto de Lei Complementar da reforma tributária classifica como cashback é um mecanismo que pretende favorecer famílias com renda de meio salário-mínimo mensal, inscritas no Cadastro Único — o mesmo utilizado nos programas sociais do governo —, com a devolução total ou parcial dos tributos pagos sobre o que elas consumirem.
Nesse sentido, a regulamentação prevê, por exemplo, a devolução integral da CBS cobrada no valor pago no botijão de gás de 13kg; 50% desse mesmo tributo no que for desembolsado nas contas de serviços como fornecimento de água e esgoto e energia elétrica, e ainda 20% tanto da CBS como do IBS cobrados em outros itens, como os adquiridos em supermercados.
A nova regra estabelece ainda que o governo federal, dos estados e dos municípios poderão definir um percentual maior em lei, desde de que seja limitado a 100% do imposto e que eles decidam arcar com o custo.
No entanto, na aquisição de produtos nocivos à saúde, a devolução dos tributos não acontecerá.
Em que consiste a tributação seletiva?
Outra novidade na regulamentação da reforma tributária é o tributo seletivo. A proposta é que ele funcione como um imposto extra incidente, como mencionado, sobre o valor cobrado em produtos que prejudiquem a saúde da população e o meio ambiente.
De acordo com o texto enviado ao Congresso, a ideia é desincentivar o consumo de itens a exemplo de bebidas alcoólicas, cigarros, refrigerantes, veículos poluentes; aeronaves e embarcações; matérias-primas extraídas da natureza — a exemplo de minérios, petróleo e gás natural — e apostas e loterias, só para citar alguns.
Regimes especiais de tributação
Além das isenções citadas e do imposto seletivo, vale acrescentar que a reforma tributária também contempla alguns regimes especiais de tributação, os quais irão variar conforme as atividades econômicas.
Estarão inclusos nesses regimes serviços financeiros, planos de saúde, negociação de imóveis, sociedades cooperativas, o setor de bares e restaurantes, de combustíveis, hospedagens, agências de viagem, entre outros.
Split payment é a aposta da reforma tributária para dar mais eficiência à arrecadação
Por fim, outra novidade que chama a atenção na reforma tributária é algo que vai inovar o sistema tributário do país: a introdução do split payment, importante, segundo o governo, especialmente em um cenário de um imposto agregado dual.
Além de disruptiva, a proposta traz consigo grandes desafios, pois se configura como um divisor de águas entre o sistema atual e o que está por vir, exigindo que as empresas se adequem à nova realidade, principalmente tendo em vista as tecnologias necessárias à sua implementação.
Na prática, o split payment é um regime de arrecadação por meio do qual o montante devido em tributos é separado do valor do produto ou serviço no momento da transação.
Em outras palavras, a quantia equivalente às taxas e impostos será automaticamente destinada a uma conta específica do governo, ao passo que o restante segue para o comerciante ou prestador de serviços.
Já quanto à separação dos recebíveis, entende-se que os provedores de serviços de pagamento (instituições financeiras e administradoras de cartões) responderão pelo processo através de uma codificação específica identificando a CBS e o IBS nos documentos de venda. Já no caso de compras parceladas, o split payment será aplicado proporcionalmente.
Na verdade, algumas transações já conhecidas, como as adotadas por marketplaces na partilha dos valores a receber e ainda o diferimento e as retenções do ICMS, trazem semelhanças com o split payment.
Porém, se comparado ao que se observa na aplicação desse sistema em outros países, o objetivo, de fato, é evitar a sonegação fiscal, já que os tributos são retidos diretamente no ato da compra, sem interferência do vendedor.
Enquanto isso, a separação automática da tributação também surge como aposta para tornar o recolhimento mais ágil, eficiente e mais transparente para o mercado.
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