Assim como outras partes do globo, o continente asiático também está de olho no poder transformador da inteligência artificial (IA) e no seu potencial para abordar, dentre outras questões, os desafios definidos pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Entretanto, em que medida a inovação na Ásia está ganhando corpo e os países avançam nessa direção?
De acordo com Ahmed El Saeed, chefe regional na Ásia-Pacífico do Global Pulse, laboratório de inovação da Secretaria Geral da ONU, apesar de todas as iniciativas, assim como o restante do mundo, a Ásia ainda está significativamente distante de atingir os ODS até 2030.
Em uma recente participação no podcast “O Futuro da Ásia”, veiculado pela consultoria McKinsey, El Saeed afirmou que apenas 17% das metas dos ODS estão no caminho certo ou foram cumpridas, ao passo que igual proporção também regrediu. E, especificamente na Ásia, os dados mostram que a região precisaria de pelo menos 32 anos adicionais para alcançar os ODS, o que só aconteceria em 2062.
Portanto, ele foi taxativo ao afirmar que todo o processo de inovação na Ásia feito até agora se revelou desigual e inadequado para alcançar tais objetivos. Isto porque, há uma clara divisão de países no continente, entre desenvolvidos, de renda média e menos desenvolvidos. Enquanto também deve-se levar em conta outra forma de desigualdade que é a urbana versus rural.
Dessa forma, a avaliação que se faz é de que, dentro da trajetória de inovação na Ásia, se mitigadas essas assimetrias, a IA, em especial, poderá ter um impacto significativo em todos os temas dos ODS, indo desde o apoio à ação climática, passando pela otimização do consumo de energia, melhoria do acesso e cobertura de educação de qualidade e monitoramento da biodiversidade, para citar alguns.
O que vem funcionando frente aos desafios
Apesar desse cenário, Ankit Bisht, sócia da McKinsey em práticas digitais e que também participou do podcast, apontou que existem muitas aplicações bem-sucedidas da IA em termos de inovação na Ásia, visando avanços econômicos e sociais.
Nesse sentido, ela mencionou um relatório recém-publicado pela consultoria, intitulado “IA para o bem social: melhorando vidas e protegendo o planeta”, em que se descobriu exemplos como a modelagem de proteínas, o rastreamento de medicamentos, o desenvolvimento de novas vacinas (ou o direcionamento de auxílio a populações mais vulneráveis) e o monitoramento em torno das mudanças climáticas, como alertas imediatos e precoces para desastres naturais.
Desse modo, ela classifica o cenário atual de inovação na Ásia como empolgante, embora muitas das iniciativas ainda estejam presas a pilotos, não estando, por sua vez, dimensionadas para impactar milhões de pessoas da forma como poderiam.
Além disso, assim como El Saeed, ela também citou a aplicação desigual de recursos para inovação na Ásia, considerando os diferentes mercados locais. Conforme disse, enquanto a China e alguns dos países desenvolvidos estão alcançando bons investimentos em IA, as nações em desenvolvimento estão acessando uma parcela muito menor do que o necessário, com base em seu PIB e população.
De qualquer maneira, Bisht contou que a pesquisa identificou cinco ODS com maior potencial em todo o continente: boa saúde e bem-estar, educação de qualidade, ação climática, energia limpa e acessível e cidades sustentáveis, com 60% das implantações de IA sem fins lucrativos focadas nessas áreas.
No entanto, ela sinalizou que há outros setores que poderiam se beneficiar de uma melhora significativa, onde há potencial, mas não há implantação suficiente, a exemplo dos ODS que abrangem nenhuma pobreza, fome zero e até mesmo paz, justiça e instituições fortes para reduzir a desinformação.
Escalabilidade da IA surge como principal obstáculo para inovação na Ásia
Ao ser questionado sobre os desafios enfrentados para a inovação na Ásia com vistas a aumentar o bem-estar econômico e social, El Saeed compartilhou o que, para ele, ainda impacta um melhor aproveitamento da IA para auxiliar nessa tarefa e quais estratégias e desbloqueios são necessários.
Conforme disse, a escalabilidade da IA para inovação apresenta-se como um grande, se não o maior obstáculo até então.
Segundo ele, isso se justifica porque, com a IA, assim como com outros tipos de tecnologias emergentes, é preciso perceber que escalar é um “jogo” em equipe. Ou seja, não é possível fazer isso sozinho, necessita-se de parcerias, caso se almeje aumentar o impacto potencial que a IA pode trazer no avanço do desenvolvimento econômico, social e sustentável.
Ademais, El Saeed disse que também se deve pensar sobre os modelos de colaboração e a prontidão das organizações públicas para estabelecer cooperações efetivas com o setor privado. Na verdade, é preciso lançar luz sobre as soluções que funcionam e disseminar conhecimento sobre como se pode fazer parcerias mais efetivas no progresso da IA e da inovação na Ásia.
“Precisamos ter certeza de que temos os participantes certos, parcerias de valor compartilhado e estamos trabalhando em direção ao mesmo objetivo”, pontuou.
Nesse contexto, Jennifer Echevarria, líder de Dados Empresariais e Serviços Estratégicos da Globe Telecom, sediada nas Filipinas, acrescentou que somente com cooperações dessa natureza torna-se possível compartilhar informações e acessar dados de valor. Afinal, um dos maiores desafios atuais é a disponibilidade e a qualidade dos dados.
“Se estamos falando sobre os conjuntos de dados relevantes para abordar tópicos relacionados aos ODS, eles são desafiadores de criar ou selecionar, pois precisamos obtê-los com alta frequência e cobrir a maior parte dos países”, concluiu.
Colaboração tecnológica entre China e Singapura ilustra importância das parcerias
Em linha com as colocações de El Saeed sobre a importância das parcerias para promover a inovação na Ásia e o avanço no desenvolvimento econômico, social e sustentável, vale destacar dois países da região, no caso China e Singapura, que seguem progredindo em sua cooperação tecnológica.
Nesse sentido, conforme detalhado pela plataforma OpenGov Asia, essa colaboração bilateral aprofundada reflete uma tendência mais ampla de cooperação internacional, visando aproveitar o potencial da tecnologia para avançar econômica e socialmente.
De acordo com a publicação, o que se observa é o estabelecimento de várias iniciativas importantes focadas no desenvolvimento conjunto de tecnologias avançadas, alavancando, para isso, pontos fortes e recursos um do outro.
A saber, esses esforços são centrados em áreas cruciais, como IA, soluções de cidades inteligentes e infraestrutura digital, com ambas as nações trabalhando juntas para expandir os limites e os benefícios da tecnologia não só em suas economias, mas criando possibilidades de isto ser replicado no processo de inovação na Ásia como um todo.
Com isso, um dos principais destaques dessa parceria são os esforços colaborativos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) liderados pela Agência de Ciência, Tecnologia e Pesquisa de Singapura e várias instituições de pesquisa chinesas, a fim de explorar o potencial da IA e do aprendizado de máquina, com foco na tradução de pesquisas de ponta em aplicações práticas.
Assim, são esperados progressos em áreas como assistência médica, onde a IA pode melhorar o diagnóstico e o tratamento; e o planejamento urbano, em que o aprendizado de máquina pode otimizar a infraestrutura e os serviços das cidades, como sistemas de transporte público, uso de energia e infraestrutura inteligente que apoie o desenvolvimento sustentável.