Desde a criação do bitcoin, há pouco mais de uma década, as moedas digitais se destacam nos mais variados meios de comunicação, assim como motivam muitos debates. A saber, o crescimento exponencial desse mercado, tanto em termos de capitalização como do aparecimento de diversas categorias, certamente é o que melhor explica essa notoriedade. As principais moedas digitais são as criptomoedas, stablecoins e moedas digitais de banco central (CBDCs).
Entre elas, as criptomoedas são as mais desenvolvidas. Atualmente, o mercado global dessas moedas, onde as stablecoins estão inseridas, registra quase 12.900 tipos, cuja capitalização alcança cerca de US$ 1,1 trilhão (cotação de 25 de agosto de 2022), segundo a Coingecko, uma das principais plataformas de acompanhamento do setor. No entanto, esse valor já chegou a ser quase o triplo, acumulando aproximadamente US$ 3 trilhões, em novembro de 2021, quando atingiu o seu ápice.
Tal comportamento revela, portanto, o quanto volatilidade e criptomoedas andam juntas, o que provoca muitas reações, na maioria das vezes negativas, principalmente em quem não domina o tema. Porém, há um tipo de moeda criptográfica pensada especificamente para oferecer um valor mais estável: as stablecoins.
Na verdade, stablecoins são um tipo de criptomoeda atrelado ao preço de outro ativo, como o dólar. Daí a sua denominação, que deriva do inglês, ao combinar as palavras stable (estável) e coins (moedas). Se a paridade estiver funcionando como se deve, uma stablecoin atrelada ao dólar deve sempre ser avaliada em US$ 1.
Contudo, eventos recentes ensinaram que nem todas as stablecoins entregam o que prometem. Por exemplo, em maio de 2022, o colapso da Terra USD revelou que nem todas elas podem assegurar a estabilidade esperada, o que gerou muitos questionamentos sobre como as stablecoins funcionam. Portanto, vale lançar um olhar mais detalhado sobre elas.
Como são criadas e como funcionam as stablecoins
Conforme adiantado, as stablecoins são um tipo de criptomoeda projetada para manter um valor estável ao longo do tempo. Para isso, são atreladas a um ativo subjacente, como uma moeda fiduciária forte ou metais preciosos, como o ouro, entre outras possibilidades. Em síntese, elas visam oferecer todos os benefícios da criptografia enquanto tentam evitar a alta volatilidade presente nas criptomoedas em geral.
De fato, moedas fiduciárias, a exemplo do dólar norte-americano, da libra e do euro, não mostram o nível de volatilidade de preços observado nas criptomoedas. Assim, em teoria, pode-se imaginar as stablecoins como uma versão tokenizada de uma moeda fiduciária, se a ela forem atreladas. Tanto que há quem diga que essa categoria de moeda digital seja a ponte entre o universo criptográfico e o sistema financeiro tradicional.
As stablecoins, como outras criptomoedas, são criadas por meio da tecnologia blockchain, uma espécie de banco de dados, que surgiu junto com o Bitcoin. Porém, ao contrário de outras criptomoedas, as stablecoins prometem paridade com um ativo real ou financeiro, ou com uma cesta específica de ativos.
Isto quer dizer que, ao criar stablecoins, normalmente, quem está por trás do projeto gera uma reserva onde armazena um ativo ou uma cesta deles a fim de sustentar o preço das moedas digitais criadas. Dessa forma, sempre que um detentor de stablecoins desejar converter seus tokens, uma quantidade igual de qualquer ativo que as apoia deve serretirada da respectiva reserva.
Os primeiros projetos de stablecoins começaram a surgir em 2014, com maior destaque para o Tether. No entanto, o debate sobre elas só ganhou corpo a partir de 2019, quando houve o anúncio da criação de outras stablecoins por grandes empresas, como por exemplo a Libra do Facebook, depois chamada de Diem.
Principais tipos
Existem quatro tipos de stablecoins no mercado, a depender do tipo de ativo em que são lastreadas:
- Baseadas em moeda fiduciária – é o tipo mais comum entre as stablecoins. Nesse contexto, o dólar norte-americano é a moeda fiduciária mais popular usada como lastro;
- Garantidas por metais preciosos – normalmente atreladas ao ouro, embora também se encontre lastros em prata;
- Asseguradas por criptomoedas – são aquelas, como o nome já diz, atreladas a outras moedas digitais privadas; e
- Parametrizadas por algoritmos – são stablecoins baseadas em contratos inteligentes com o propósito de ajustar a oferta da moeda quando há choques na demanda como forma de manter a estabilidade do seu valor.
Independentemente dos mecanismos de funcionamento, o objetivo das stablecoins é sempre o mesmo. Ou seja, evitar a volatilidade que faz as criptomoedas falharem em atender às funções de reserva de valor e unidade monetária, duas das três funções básicas da moeda.
Estima-se que, atualmente, existem centenas de stablecoins em circulação. Entre as mais populares estão, por exemplo, a Tether, USD Coin, Terra USD, Binance e DAI.
As stablecoins são realmente estáveis?
Apesar de terem sido projetadas para manter um valor estável ao longo do tempo, o que se observa é que as stablecoins não estão livres de dificuldades para garantir o que propõem.
Para começar, a estabilidade de preço vai depender da forma como elas foram criadas e do ativo ou da cesta de ativos que asseguram o seu valor. Tanto que, vale ressaltar, as stablecoins ainda não são usadas como substitutas da moeda fiduciária em uma escala relevante.
O principal motivo, explicam alguns teóricos, é que se elas não forem percebidas como seguras, devido à suspeita de lastro, elas podem desencadear uma corrida contra o emissor, demandando o resgate de 1 para 1 em massa ao mesmo tempo, o que pode acarretar distorções na paridade e, consequentemente, a instabilidade de preços.
E há exemplos que sinalizam que algumas stablecoins caminham nessa direção. A Tether vem sendo alvo de dúvidas sobre a confiabilidade de suas reservas há anos. Já a DAI, que embora também esteja atrelada ao dólar norte-americano, é apoiada por outras criptomoedas, e, assim, é mais propensa à volatilidade.
Outro exemplo é a Terra USD, que por ser parametrizada por algoritmos, não apresenta garantias. Com efeito, isso resultou, na primeira metade de 2022, em um colapso, com seu valor caindo acentuadamente abaixo da sua indexação.
Não é à toa que a questão da transparência de lastro passou a ser debatida por reguladores e autoridades governamentais em todo o mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, a discussão chegou às Cortes de Nova York, onde as empresas Bitfinex e Tether foram processadas sob a alegação de que ambas não seriam permanentemente lastreadas na paridade 1 para 1 com o dólar norte-americano.
Dessa forma, tais problemas acenderam o alerta de que as stablecoins não seriam tão estáveis e com paridade garantida. Ao mesmo tempo, também alimentam o debate sobre a regulação das criptomoedas.
Stablecoins versus criptomoedas
Embora façam parte do universo cripto e as stablecoins sejam um tipo de criptomoeda, elas apresentam algumas diferenças. Dentre elas, se destacam:
- Lastro – esta é a diferença mais proeminente. Afinal, como já explicado, as stablecoins têm seus preços atrelados a outros ativos, como moedas fiduciárias, ao passo que as criptomoedas não têm paridade com nada;
- Volatilidade – visto que os valores das stablecoins são vinculados a ativos menos instáveis, teoricamente, elas possuem mais estabilidade na comparação com as demais criptomoedas;
- Valorização – se por um lado a maior estabilidade é um fator positivo, por outro, ela pode afastar investidores que buscam expressivas valorizações. Esse movimento de mercado é comum às demais criptomoedas, mas seu efeito é reduzido sobre as stablecoins;
- Centralização – enquanto as criptomoedas surgiram em um ambiente descentralizado, as stablecoins, notadamente aquelas lastreadas por moedas fiduciárias, acabam sendo, de certa forma, centralizadas por terem grandes empresas por trás dos projetos.
Veja ainda:
Moedas digitais: entenda o que são criptomoedas, stablecoins e CBDCs
Stablecoins: solução cripto para pagamentos digitais mais eficientes
Stablecoins devem movimentar mais de US$ 187 bi globalmente em cinco anos