Com cerca de 70% dos países ainda sem nenhuma regulamentação cripto, o setor continua sendo um desafio para as autoridades, essas que precisam o quanto antes conceber diretrizes legais direcionadas. Isso inclui a aplicação de regras de combate à corrupção, especialmente, no que tange lavagem de dinheiro.
Em entrevista recente ao OMFIF, Tom Neylan, analista político sênior da Força-Tarefa de Ação Financeira, um órgão global que combate à lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, chama a atenção para essa urgência. Ele afirma que essa regulamentação precisa entrar em vigor o quanto antes, se possível dentro de um ou dois anos.
Diferentemente das finanças tradicionais, no mercado cripto as coisas se desenvolvem bem mais rapidamente. Por essa razão, Neylan defende que é necessário começar imediatamente o trabalho para identificar os atores do setor em cada jurisdição e compreender os riscos.
Ao mesmo tempo, a ausência de uniformidade nas regras já existentes entre os países também necessita ser tratada, assim como a incorporação de regras similares ao setor financeiro convencional, emenda o especialista.
Nesse cenário, quando se olha para o Brasil, o que se observa é que o país está a um passo à frente nesse processo. Afinal, de olho na atração de investimentos para o desenvolvimento do setor cripto em seu território, o país já possui uma regulamentação aprovada.
Entretanto, mesmo com uma estrutura legislativa para o mercado cripto no país, algumas questões ainda carecem de atenção na regulação nacional, como, por exemplo, maior segurança jurídica e mais clareza nas ações de combate à corrupção via infraestrutura cripto. Tendo essas lacunas na mira dos reguladores, tanto o mercado cripto brasileiro quanto o mundial tendem a avançar e garantir maior segurança para seus agentes envolvidos.
A importância da “regra de viagem” em cripto e a relação com a lavagem de dinheiro
Segundo Neylan, a “regra de viagem” foi uma questão que ganhou importância no mercado cripto. Semelhantemente ao que acontece no setor bancário tradicional, a regra de viagem criptográfica é uma estrutura regulatória criada para monitorar e controlar transações em criptomoeda.
Assim, ao transferir ativos digitais, este regulamento exige que os prestadores de serviços de ativos virtuais (VASPs na sigla em inglês) recolham e troquem informações específicas sobre as transações.
Na avaliação do especialista, a regra de viagem tornou-se particularmente importante porque está entre as ferramentas mais difíceis de aplicar em um contexto cripto. A saber, exige que os provedores de serviços de ativos virtuais troquem informações de identidade dos originadores e beneficiários de operações criptográficas de valor maior que US$ 1.000.
Nas finanças tradicionais, as mensagens de pagamento que incluem informações de identificação pessoal são enviadas numa rede privada, visível apenas para os bancos, com forte proteção da privacidade. “Já na criptografia, essas mensagens de pagamento poderiam ser enviadas em formato de acesso público. Portanto, a inclusão de informações pessoais poderia expor as identidades das pessoas” , justifica Neylan.
Até porque, a regra de viagem inclui a devida diligência do cliente, a compreensão da natureza do seu negócio, a elaboração de relatórios de transações suspeitas e a pesquisa adicional sobre atividades de alto risco – como no caso de clientes politicamente expostos. Além disso, a regra deve ser licenciada, supervisionada e regulamentada pelas autoridades competentes.
Só assim, afirma Neylan, será possível aplicar sanções financeiras, bloquear transações e garantir uma trilha de auditoria que os investigadores possam seguir no caso de o pagamento ser para fins terroristas ou de lavagem de dinheiro.
“Dado que as empresas do setor cripto executam transações transfronteiriças rotineiramente, isso representa um sério risco, porque os países não regulamentados podem proporcionar refúgios seguros – oferecendo uma via para o fluxo de dinheiro para terroristas fora do setor regulamentado”, conclui.
A uniformidade regulatória é um desafio?
Quando questionado sobre a ausência de uniformidade – ou seja, quanto ao fato de nem todas as jurisdições aplicarem as regras da mesma forma – e se essa questão poderia acarretar problemas no caso do estabelecimento de regras mais efetivas de combate à corrupção nas transações criptográficas, Neylan afirma que esse é um potencial desafio.
Afinal, conforme disse, a indústria de ativos virtuais relata com frequência as diferenças nos requisitos de cada país.
Entretanto, no caso específico da regra de viagem, ele chama a atenção para o resultado de uma pesquisa realizada em mais de 150 jurisdições, realizada no início de 2023, que concluiu que a maioria dos países tem basicamente os mesmos requisitos de informações que os VASPs precisam coletar e transmitir quando se trata dessa regra.
Porém, lembra, tal como acontece com toda a regulamentação, a harmonização global completa é irrealista. Na sua avaliação, existem diferenças demasiadas nos quadros nacionais, seus riscos e abordagens para mitigação de riscos.
Portanto, essa é a mesma razão pela qual vemos falta de harmonização em outros setores financeiros. “Precisamos garantir que os requisitos nacionais são claros e que as autoridades estão coordenadas para ajudar o setor privado a lidar com desafios comuns e a considerar a harmonização sempre que possível”, finaliza.
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