Mesmo tendo surgido à margem da regulamentação e sem uma operação de fiscalização global abrangente, as stablecoins vêm alcançando um nível de aceitação considerável. Afinal, conforme publicado pelo Instituto Monetário Digital do OMFIF (MDI na sigla em inglês), atualmente elas registram uma movimentação global diária da ordem de US$ 64 bilhões.
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Ou seja, “uma cifra considerável negociada a cada dia, em que os emissores não estão sob supervisão prudencial e onde as participações dos usuários não têm seguro estatal”, aponta Lewis McLellan, editor do MDI.
Em artigo publicado no OMFIF, McLellan defende que, para que as stablecoins sejam de fato uma forma real e segura de dinheiro, como o mercado e criptoativos as apresenta, elas precisam de regras próprias.
Conforme disse, os bancos têm uma gama complexa de regras prudenciais que regem como eles aplicam o seu dinheiro e em quais circunstâncias o estado protegerá os depositantes. Por outro lado, o que se observa é que os emissores de stablecoins não precisam obedecer a tais normas e seus detentores não se beneficiam de igual proteção.
Portanto, afirma o editor do MDI, se as stablecoins pretendem se tornar uma forma de dinheiro sistemicamente importante – o que pode acontecer quer se queira ou não –, regras para evitar corridas ao mercado e para proteger os usuários são vitais.
Emissão de stablecoins
Em seu artigo, McLellan explica que o modelo para a criação de “dinheiro” na forma de stablecoins é basicamente o mesmo dos bancos. Ambos aceitam depósitos e os investem para cobrir os custos de fornecer infraestrutura de pagamentos.
Em contrapartida, os depositantes recebem uma forma de dinheiro: depósitos que podem gastar com seus cartões ou sacar como moeda e, no caso das stablecoins, eles podem trocar com pessoas ou comerciantes frequentemente, mas nem sempre, por criptoativos como bitcoin e ainda resgatá-las por um depósito bancário comercial.
Por conta disso, ele aponta que, assim como ocorre no sistema bancário tradicional, as regras que regem a criação de dinheiro também são importantes quando se trata das stablecoins.
“Nem todo mundo pode criar dinheiro. Se pudesse, não seria confiável. É por isso que não posso entrar em uma loja e pagar com um pedaço de papel no qual está escrito pague ao portador dez libras”, argumenta.
Divergências em relação ao sistema bancário tradicional
Segundo McLellan, uma solução simples seria criar uma lei que exigisse que qualquer emissor de dinheiro tivesse uma licença e obedecesse às mesmas regras dos bancos.
Entretanto, embora o modelo de criação de stablecoins seja semelhante ao da emissão de dinheiro pelo sistema bancário convencional, ele assinala que existem algumas diferenças importantes, que justificam a definição de regras específicas para essas moedas digitais.
A principal delas é que as stablecoins não se envolvem em bancos de reserva fracionária. Na verdade, elas visam manter reservas de pelo menos o valor das moedas fiduciárias em circulação com a qual mantém paridade, e isso, por si só, sugere que regras diferentes sejam necessárias.
Seguindo esse mesmo raciocínio, Gordon Liao, Dan Fishman e Jeremy Fox-Green recentemente assinaram um relatório publicado pela Circle, emissora da stablecoin USD Coin, propondo um novo modelo de gerenciamento de capital considerando os risco para as stablecoins e demais tokens de dinheiro digital, por meio do qual também defendem regras prudenciais e como elas devem diferir das normas aplicadas aos bancos.
De acordo com eles, isso se faz necessário porque as stablecoins precisam de requisitos de reserva de capital próprios, indo além dos padrões atualmente estabelecidos sob as estruturas regulatórias bancárias da Basileia. Só assim, justificam, é possível mitigar os riscos exclusivos a elas e a outros tokens correspondentes a moedas fiduciarias e seus emissores.
Para esses pesquisadores, os riscos não estão limitados apenas a déficits nos preços dos tokens por conta da negociação dos mercados, incluindo ainda possíveis corridas dos detentores de stablecoins face a riscos de liquidação, operacionais e tecnológicos.
Ao mesmo tempo, eles destacam uma série de outras características que também sugerem garantir que as stablecoins sejam adequadamente capitalizadas e abordadas de forma diferenciada.
O que se propõe como adequação de capital para as stablecoins
Segundo avaliam Liao, Fishman e Fox-Green, a solução para isso seria adotar o que eles chamam de Estrutura de Adequação de Capital para Tokens (TCAF na sigla em inglês).
Isto porque, explicam, as regulamentações bancárias atuais usam padrões de risco de razão fixa e ponderações que necessariamente não reproduzem o verdadeiro grau de ameaças a que as stablecoins estão submetidas.
Nesse sentido, o TCAF propõe um modelo variável que se ajusta ao risco, começando com testes de estresse de reservas de capital e vai sendo alimentado com informações das partes interessadas. Ao passo que riscos tecnológicos, como desempenho da rede blockchain e segurança cibernética, também são levados em consideração no modelo em questão.
Além disso, acrescentam, essa abordagem pode resultar ainda em requisitos de capital mais ou menos intensivos para as stablecoins do que os padrões bancários atualmente em uso, o que mudaria dependendo da criticidade do ambiente.
Para isso, o TCAF contempla determinados objetivos. Primeiramente, ele busca distinguir elementos de risco emergentes daqueles que já foram mitigados com sucesso ou não representam mais uma ameaça para as stablecoins.
Ao mesmo tempo, procura auxiliar os reguladores a tratar de forma adequada os riscos operacionais dessas moedas, sendo o mais simples possível, evitando departamentos de gerenciamento de risco inchados e dispendiosos, característicos do setor bancário tradicional.
Outro propósito do TCAF é proporcionar um padrão para gestão de risco que funcione em todas as jurisdições e instituições. Por fim, o modelo se empenha em oferecer incentivos e determinar responsabilidades a fim de atenuar possíveis externalidades de risco negativas.
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