Nos dois primeiros dias de outubro, o mercado contabilizava 9.470 moedas e uma capitalização de quase US$ 2,2 trilhões. Em apenas 24 horas, cerca de US$ 133 milhões haviam sido movimentados por meio de 501 operações. Terreno onde, apesar da multiplicidade de moedas, o Bitcoin ainda reina absoluto com uma fatia de 41%, seguido do Ethereum, que responde por aproximadamente 18%. Os dados são da Coingecko, plataforma digital que acompanha preços, volume e capitalização desses tipos de ativos, que, nos últimos anos, vem chamando a atenção de cada vez mais pessoas. Mas, no fim das contas, o que é criptomoeda? Como funciona e por que ela alcançou tanta popularidade no universo das finanças?
Segundo o documento Moedas digitais: entenda o que são criptomoedas, stablecoins e CBDCs, publicado em setembro deste ano pelo Instituto Propague, a primeira criptomoeda nasceu em 2009, no caso o Bitcoin, na esteira das tecnologias que surgiram, desde o início daquela década, a fim de acelerar a digitalização do sistema financeiro global. Outro acontecimento que impulsionou o seu aparecimento foi a crise internacional de 2008, que levou a uma desconfiança nas instituições financeiras. Era dado, então, o primeiro passo para o atual mercado de criptomoedas.
A ideia, explica o estudo, era buscar por formas alternativas de realizar transações financeiras que fossem seguras, não estivessem associadas ao sistema bancário e às autoridades governamentais, e que mantivessem a privacidade do usuário.
De lá para cá, o que se observou foi o crescimento exponencial no número de criptomoedas oferecidas. Cinco anos depois do advento do Bitcoin, em 2014, já eram 5.004 moedas. Passado pouco mais de uma década, em 2021, esse número quase que dobrou.
Contudo, apesar da trajetória de crescimento, da sua valorização e até mesmo da recente adoção das criptomoedas como moeda de curso legal por alguns países, a exemplo de El Salvador e Cuba, até hoje muito se debate sobre elas. Desde o seu verdadeiro conceito e classificação em meio às moedas digitais, passando pela segurança e utilização, chegando aos desafios impostos ao sistema financeiro global.
Entenda o que é criptomoeda
Em meio a toda essa discussão em torno do tema, o conceito que melhor define o que é criptomoeda, apontam os especialistas, é que ela é uma moeda digital privada, não sendo emitida, portanto, por nenhum governo, tendo sido criada em uma rede descentralizada e protegida por criptografia.
Aliás, conforme destaca o estudo citado, esta é a definição mais simples e capaz de cobrir as diferentes visões que circulam sobre este tipo de ativo. “Elas são o que chamamos na terminologia de moeda virtual: um tipo de moeda digital que não é denominada em alguma moeda oficial”, expõe o documento.
Ao mesmo tempo, as criptomoedas são moedas digitais porque, diferentemente do nosso real, do dólar, do euro e de tantas outras moedas oficiais e de curso legal nos diferentes países, as quais podem ser manuseadas, elas só existem na internet. Ou seja, uma criptomoeda não pode ser guardada na bolsa ou em uma carteira convencional, podendo ser armazenada única e exclusivamente em meio virtual.
Além disso, as criptomoedas têm como atributo serem descentralizadas porque não há um órgão ou um governo que responda pelo controle, intermediação e autorização de sua emissão, transferência, dentre outras operações financeiras. Na prática, quem faz isso são os próprios usuários registrados na rede.
As tecnologias por trás da criptomoeda
De acordo com os especialistas, para que melhor se compreenda o que é criptomoeda e a forma como ela funciona dentro do mundo das finanças, não basta se ater ao seu conceito. Se faz necessário também explicar as tecnologias existentes por trás das moedas digitais.
Nesse sentido temos que levar em consideração três tecnologias: a criptografia; a “Distributed Ledger Technology” (DLT), livremente traduzido para o português como Tecnologia de Registros Distribuídos; e a blockchain.
Segundo o documento sobre moedas digitais lançado pelo Propague, a criptografia é a tecnologia usada para impedir a leitura de dados armazenados e permitir que informações sejam transmitidas de maneira segura independentemente de o canal de transmissão ser ou não seguro. Ou seja, é uma tecnologia focada em manter a confidencialidade, identidade e integridade dos dados com os quais se está lidando, o que é fundamental para as outras duas tecnologias destacadas operarem.
O DLT, por sua vez, é um banco de dados digital. Nele, as informações são criptografadas e distribuídas geograficamente pelo que se pode chamar de “nós”, os quais formam uma rede sem administrador central. Diferentemente do que ocorre com outros tipos de bases de dados que ficam registradas em um servidor centralizado. É, dessa forma, uma rede descentralizada.
Fazendo uma analogia para que se entenda melhor, na prática, o DLT equivale a um livro de registros contábeis. Ele guarda informações criptografadas sobre a propriedade dos ativos e transações, e esses dados podem ser acessados por quaisquer pessoas que tenham acesso à rede.
Como diferenciais, essa tecnologia primeiramente permite que transações possam ser realizadas de maneira segura, mesmo sem intermediários, e sem que informações precisem ficar concentradas em uma única instituição. Um segundo ponto é a segurança garantida pela criptografia usada para incluir as informações na rede e pelos processos que cada membro precisa seguir e concluir adequadamente até que seja possível confirmar a validade de uma transação.
E, dentre os DLTs, um tipo específico se destaca no meio das moedas digitais: o blockchain, que surgiu juntamente com o Bitcoin. Nessa outra tecnologia, como sua denominação em inglês sugere, a base de dados é organizada na forma de blocos encadeados sequencialmente, sendo utilizada nas principais criptomoedas.
O fato de ser organizada dessa forma, em que um bloco novo adicionado à sequência torna o anterior imutável, faz com que nenhum usuário possa gastar duas vezes a mesma moeda digital. A propósito, só é possível transferir propriedade das unidades de criptomoeda se houver a sua verificação, o que é garantido por meio dessa tecnologia.
Principais criptomoedas
Entre as 9.470 criptomoedas existentes na atualidade, por ter sido a primeira, naturalmente o Bitcoin é a mais popular, abocanhando pouco mais de 40% do mercado. Mas algumas outras também se destacam pelo valor de mercado. Entre elas, temos Ethereum, Tether, Ripple, Litecoin, Bitcoin Cash, EOS, Binance Coin, USDT, Cardano, Dogecoin e Stellar, para citar algumas.
A notoriedade do Bitcoin, presença constante na mídia e trendings das redes sociais, deve-se principalmente ao interesse de grandes nomes do mundo dos negócios e do entretenimento por essa criptomoeda, associado à volatilidade de preços, que ultrapassou, em meados de abril de 2021, a marca histórica de US$ 63 mil. Mais recentemente, ela voltou a ser precificada abaixo de US$ 50 mil. Porém, alguns analistas de mercado já chegaram a projetar a sua cotação acima dos US$ 100 mil até o fim deste ano, como apontou, por exemplo, o JPMorgan Chase & Co, holding que presta serviços financeiros e de banco de investimento.
A resposta geral para a pergunta “por que esse preço?” vem da velha lei da oferta e da procura. A saber, quando as criptomoedas estão em evidência é comum que elas sejam mais procuradas, o que aumenta o volume negociado e, consequentemente, faz com que a sua cotação tenda a crescer.
Entretanto, o mercado de criptomoedas vai muito além do Bitcoin e das moedas já citadas. Aqui no Brasil, por exemplo, existem várias criptomoedas de origem nacional, entre elas destacam-se B2U Coin, Niobiocash, WibX, Bitblocks, Hathor, CriptoBRL, entre outras.
Para que servem?
Na verdade, uma criptomoeda pode ser usada para as mesmas funções atribuídas ao dinheiro em espécie. Ou seja, meio de troca, reserva de valor e ainda unidade de conta, que é quando os produtos são precificados em razão de uma moeda.
De fato, conforme os pesquisadores do Instituto Propague apuraram em seu estudo sobre moedas digitais, “quando o Bitcoin foi lançado, inaugurando o mercado de criptomoedas, o objetivo declarado era o de permitir pagamentos digitais anônimos que não passassem por instituições financeiras ou governamentais”. Dessa forma, o uso primário deveria ser para realização de transações com o benefício de privacidade e uso de uma rede global.
No entanto, ressalvam, “o Bitcoin e outras criptomoedas ganharam espaço até aqui mais como ativo especulativo do que como meio de pagamento”. Ou seja, despertam mais a atenção de quem quer diversificar investimentos e obter ganhos financeiros.
Na avaliação desses estudiosos, apesar de estar crescendo a função meio de troca, as criptomoedas ainda não são amplamente aceitas e não tem escalabilidade. Uma das razões, justificam, é justamente a alta volatilidade de preços, o que dificulta a sua utilização como mecanismo de comparação de preços entre produtos e serviços. “Na prática, comerciantes que aceitam criptomoedas como meio de pagamento tendem a determinar preços em unidades de moeda fiduciária e cobram o equivalente em criptomoedas a partir da taxa do momento da conversão, não sendo a criptomoeda em si a unidade de conta”, afirmam.
O mesmo raciocínio vale para a função de reserva de valor. “A volatilidade faz com que não seja garantido que guardá-las por um longo período reterá poder de compra sem custo de carregamento. A volatilidade dificulta sua expansão como meio de troca”, expõem.
No entanto, eles não descartam o avanço no uso das criptomoedas para além da mera detenção especulativa, devido a menores custos de transação, privacidade e o potencial de criar uma base de clientes. “Em geral, as pessoas que as usam para fazer pagamentos alegam redução de custos de transação (consideravam as taxas cobradas por bancos tradicionais elevadas, por exemplo) e querem garantir privacidade maior do que a disponível no caso de transações eletrônicas intermediadas por bancos, que são obrigados a seguir protocolos de segurança. Já comerciantes que usam criptomoedas tendem a fazer isso, além dos menores custos, pela sua característica de não possuir mecanismos de devolução”, explica.
O que é a mineração?
Quando se pretender compreender o que é criptomoeda, também precisamos conhecer um termo comum no mundo das moedas digitais: a mineração. E, para entendê-lo, vale recordar que essas moedas são a representação de um código que não pode ser modificado, pois assim como as transações realizadas por meio delas, têm a proteção da criptografia.
Nesse contexto, como não há uma autoridade central que acompanhe essas operações, já que estamos falando de um mercado descentralizado, alguém precisa registrar e validar uma a uma, a fim de assegurar que as mesmas criptomoedas não tenham sido previamente utilizadas por outra pessoa. Isso acaba sendo feito, então, por um grupo de indivíduos, que usam seus computadores para gravar as transações na blockchain. E quem faz esse registro são conhecidos como mineradores.
Mas por que essas pessoas são chamadas dessa forma? No livro Bitcoin: A moeda na era digital, o autor, Fernando Ulrich, explica que “o Bitcoin foi projetado de modo a reproduzir a extração de ouro ou outro metal precioso da Terra. Assim, somente um número limitado e conhecido de bitcoins poderá ser minerado”. Daí o emprego do termo “minerador”.
Aí surge uma outra pergunta: como a mineração ocorre? Bem, na prática, os mineradores disponibilizam a capacidade de processamento dos seus computadores para efetuar os registros e conferir as operações realizadas por meio de criptomoedas. Por esse trabalho, eles recebem como remuneração novas unidades delas. Motivo pelo qual os Bitcoins, por exemplo, são gerados conforme os milhares de computadores que integram a rede autenticam as transações incluídas nas blockchains.
O mercado de criptomoedas
Segundo o mais recente levantamento da Chainalysis, uma das maiores companhias que fornecem serviços de análise de dados relacionados a blockchains, a Europa ocupa, atualmente, o pódio de principal mercado de moedas digitais no mundo, à frente dos Estados Unidos (EUA).
Nesse contexto, os países da Europa Central, do Norte e Ocidental contabilizaram o maior volume de negociação de criptomoedas em escala global, ultrapassando a casa de US$ 1 trilhão em ativos digitais transacionados entre julho de 2020 e junho de 2021.
Dentro do continente europeu, o Reino Unido é o maior mercado de criptomoedas, apresentando US$ 170 bilhões em operações no período analisado, aponta o levantamento. Na sequência temos a França, Alemanha, Holanda e Suíça.
Em âmbito mundial, os EUA, na segunda posição, são seguidos pelo Sudeste da Ásia e pela Ásia Central, Leste Asiático e Leste Europeu. Já a América Latina surge como antepenúltima no ranking, à frente somente do Oriente Médio e da África.
Vale ressaltar que os números abrangem não só as transações de compra e venda de criptomoedas, mas também os investimentos feitos de modo geral nesse setor.
Como comprar criptomoeda?
Entre as principais formas de comprar ou investir em criptomoedas aparece, primeiramente, a aquisição de cotas de fundos de investimentos que incluem entre seus ativos as moedas digitais. Há também a possibilidade de negociá-las diretamente por meio de uma corretora especializada ou aceitando essas moedas como pagamento por alguma transação. Sem esquecer, claro, o serviço de mineração.
Para quem não tem conhecimento suficiente sobre o funcionamento do mercado de criptoativos e não deseja entrar nessa empreitada sozinho, partir para a compra de cotas de fundos de investimentos é o mais recomendado pelos especialistas. Até porque, desde 2018, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entidade pública ligada ao Ministério da Economia, deu permissão para que fundos brasileiros façam investimentos indiretos em criptomoedas fora do Brasil, adquirindo, por exemplo, derivativos ou cotas de outros fundos, explicam. Esses fundos são disponibilizados para o público através de corretoras e plataformas de investimentos e os valores para aplicação são relativamente pequenos, da ordem de R$ 5 mil ou até mesmo abaixo disso.
Por outro lado, se a ideia for comprar diretamente as criptomoedas, o primeiro passo é preciso abrir uma conta em uma corretora de moedas virtuais para só então começar a operar. Mas, antes, é aconselhável pesquisar sobre as empresas existentes no mercado, conferir o que clientes falam sobre estas companhias e ter conhecimento das tarifas cobradas.
Desafios impostos pelas criptomoedas
Ainda no sentido de entender o que é criptomoeda e o seu funcionamento, é importante destacar os principais desafios impostos por essas moedas digitais ao mercado. De acordo com o documento de autoria do Instituto Propague, alguns dos mais mencionados são o de responsabilização, ambiental e o sistêmico.
O desafio de responsabilização está ligado à natureza descentralizada das criptomoedas, que faz com que elas não possuam uma autoridade responsável. Daí muitos países discutirem sobre a sua regulamentação, inclusive o Brasil, embora ainda não se veja muitos avanços nessa direção. Apesar disso, o cenário dá sinais de que a hesitação com relação a regular criptomoedas está diminuindo. “O que não necessariamente indica que as dificuldades envolvidas em saber como regulá-las foram superadas”, conclui o documento.
O risco ambiental, por sua vez, vem, principalmente, das blockchains, que usam o mecanismo de validação. Esse processo consome quantidades muito grandes de energia elétrica, dado o uso intensivo de muitos computadores ao mesmo tempo, e depõe contra os esforços de desenvolvimento de um sistema financeiro mais sustentável.
Já o risco sistêmico, destacam os pesquisadores, está relacionado ao uso das criptomoedas para especulação e excessiva volatilidade de preços, o que impacta na sua maior aceitação como meio de pagamento.
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