De todos os impactos que o cenário de guerra da Ucrânia e as sanções à Rússia têm trazido para a economia europeia, a inflação tem sido o principal assunto de preocupação das autoridades internacionais. As diferentes abordagens globais sobre como enfrentar a inflação colocam pressão nas escolhas sobre os próximos movimentos nas políticas energéticas da União Europeia para os próximos anos, que vive o seu maior impacto inflacionário em 40 anos.
Não é surpresa que os países europeus estejam apostando cada vez mais na rápida mudança das suas fontes de energia tradicionais para energias renováveis por motivos não relacionados necessariamente ao avanço da agenda sustentável, mas sim para conquistar independência energética com a maior brevidade possível. O objetivo? Evitar quadros futuros de inflação causados por quebras nas cadeias de produção, o que vem acontecendo por conta da guerra na Ucrânia.
O problema, no entanto, é que a substituição de fontes de energia tradicionais pode aprofundar o quadro de inflação, tendo em vista o aumento de custos e preços derivados da transição verde para uma economia descarbonizada, fenômeno conhecido como greenflation (inflacão verde) e que pode ser, hoje, a principal barreira para o avanço do esverdeamento da economia.
O problema, no entanto, é que a substituição de fontes de energia tradicionais pode aprofundar o quadro de inflação, tendo em vista o aumento de custos e preços derivados da transição verde para uma economia descarbonizada, fenômeno conhecido como greenflation (inflacão verde) e que pode ser, hoje, a principal barreira para o avanço do esverdeamento da economia. Não são raras, no entanto, as vozes que defendem que, antes de se priorizar medidas focadas nessa transição, o Banco Central Europeu- BCE deveria primeiro tentar estabilizar os preços.
Crise energética como catalisadora do cenário atual
Não parece que a inflação será um impeditivo para a progressão da agenda verde europeia. Nesse sentido, a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde disse recentemente na Conferência internacional Green Swan, promovida pelo BIS, que o verdadeiro inimigo da inflação seria o aumento do preço do petróleo e de matrizes de combustível fóssil, fenômeno conhecido como fossilflation, não a greenflation. Apesar de reconhecer que o período de transição é o mais arriscado e que o processo de descarbonização pode causar o aumento dos preços em médio prazo, o BCE continua firme no posicionamento de que o esverdeamento energético e econômico será a chave para a redução da pressão inflacionária a longo prazo.
As rejeições da preocupação do BCE em relação à inflação verde e a transferência da culpa inflacionária apenas para combustíveis fósseis levantou um debate sobre o papel dos Bancos Centrais e demais agentes reguladores em prol da agenda sustentável. O plano apresentado por Lagarde no BIS Green Swan de 2022 considera o uso de facilidades de empréstimos institucionais voltados para o meio ambiente e clima para incentivar a transição verde e uma economia neutra em carbono como estratégia de impedir que a inflação se torne uma inflação verde descontrolada. Contudo, esse ponto tem sido bastante questionado porque, em tempos de gestão de risco inflacionário, empréstimos adicionais podem não ter o efeito desejado.
O risco aqui a ser ponderado é se as atuais tentativas do BCE em ampliar o interesse de investidores e stakeholders alinhados à descarbonização da economia podem ou não ter um efeito contrário visto o cenário econômico instável e irregular pressionado pela alta dos preços, dado que o cenário atual pode contribuir para aumentar o déficit e retirada de investimentos de fundos e setores vinculados ao financiamento do esverdeamento da economia como forma de proteção e segurança de capital contra a inflação, principalmente no setor privado.
Banco Central do Brasil contrapondo a visão do BCE
O presidente do Banco Central do Brasil – BCB, no mesmo evento, opinou em relação ao fenômeno de greenflation e discordou da posição de Lagarde em não enxergar a inflação verde como um problema. Para Campos Neto, a inflação verde é, na verdade, uma barreira para que a alta dos preços de combustíveis seja controlada. A exposição da dependência energética e de commodities graças ao cenário de guerra resultou numa exposição maior da fragilidade do mercado sustentável e da estrutura que os países têm investido em relação à transição verde.
Esse debate sinaliza que o planejamento para a transição para uma economia descarbonizada é um dos elementos a serem considerados em cenários diferentes dos experimentados anteriormente, em que a inflação endêmica vira um contexto a ser contemplado. Já existem indícios de que as agendas internacionais passam a ser impactadas pela inflação verde, trazendo um quadro delicado para a ação regulatória das autoridades financeiras, sobretudo para a continuidade da promoção das agendas sustentáveis para agentes privados e públicos.
Amanda Stelitano é assistente de pesquisa do Instituto Propague e mestranda em Economia Política Internacional pela UFRJ.
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