Façam suas apostas: a regulação de cripto vai mudar de rumo?

O debate de regulação de cripto ganha um novo capítulo com uma sugestão de enquadrar moedas como a Bitcoin como jogos de azar e não como ativos financeiros. O que isso por significar para o futuro do mercado?
Façam suas apostas: a regulação de cripto vai mudar de rumo?
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Amanda Stelitano
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Ainda que os debates sobre o mercado de criptomoedas estejam longe de chegar em um consenso, um ponto que parecia ser de comum acordo entre as autoridades internacionais e reguladores era da necessidade da adoção de um arcabouço legal que regulasse as atividades envolvendo criptomoedas no mercado financeiro a fim de manter a resiliência e estabilidade do sistema financeiro.

E, bem quando a necessidade de regulação se firmou como uma ideia consensual às autoridades e boa parte dos agentes do mercado, com alguns países avançando ao ponto de aprovar ou estar próximo de aprovar suas regulações, alguns acontecimentos do fim de 2022 trouxeram novos questionamentos sobre como regulá-lo.

Contrário ao que vem sendo construído com os avanços de regulação de criptomoeda na União Europeia e no Brasil, por exemplo, ganhou destaque uma nova corrente de reguladores e economistas sugerindo que criptomoedas devem ser sim reguladas, mas não como ativos digitais e sim como jogos de azar e apostas. A forte afirmação chamou atenção por ter defensores entre algumas autoridades da União Europeia, que já tem sua proposta de regulação como ativo digital, a MiCa, prestes a ser aprovada.

Tais movimentos indicam um potencial retrocesso na busca por convergência nas propostas de regulação de criptomoeda e na expectativa de pioneirismo europeu. E, com tanta divergência nas formas de lidar com um mercado global por natureza, qual visão vai prevalecer? Bom, ainda só é possível fazer apostas.

Regulação de criptomoedas e jogos de azar: existe conexão?

Para ele, criptomoedas deveriam ser reguladas sim, mas sob uma legislação de jogos de azar e atividades de apostas, uma vez que não representariam um valor de aplicabilidade e muito menos incentivariam consumo ou gerariam demanda de investimento.

Fabio Panetta, membro do conselho executivo do Banco Central Europeu (BCE), movimentou a comunidade de reguladores financeiros e a indústria de criptomoedas ao declarar que é contrário à regulação de criptomoedas como ativos financeiros e moedas de investimento. Para ele, criptomoedas deveriam ser reguladas sim, mas sob uma legislação de jogos de azar e atividades de apostas, uma vez que não representariam um valor de aplicabilidade e muito menos incentivariam consumo ou gerariam demanda de investimento.

Sem surpresa, essa forte declaração – somado ao atraso na votação da MiCA no Parlamento Europeu – inflamou questionamentos sobre a utilidade e valor de criptomoedas em relação ao sistema financeiro e, consequentemente, colocou em um ponto de fragilidade a postura da UE e do BCE frente ao pioneirismo de regulação de criptomoedas.

O ponto principal da argumentação apresentada por Panetta e seus apoiadores é de que a inclusão de criptomoedas na regulação de jogos de azar e apostas é justificável, principalmente, quando se trata de criptomoedas sem lastro, como Bitcoin, Ethereum e outras grandes criptomoedas em circulação no mercado. Panetta ainda afirma que, ao contrário de criptomoedas lastreadas, como é o caso das stablecoins, elas seriam meramente ativos especulativos “apostas disfarçadas de ativo de investimento”.

A pergunta que fica a partir desse tipo de questionamento levantado por um membro do Banco Central Europeu é: como ficam os projetos já em andamento? No contexto dos desdobramentos da quebra da FTX e subsequente prisão de seu fundador, Sam Bankman-Fried, existe a possibilidade de propostas de regulação de criptomoeda serem revistas nessa direção?

Atrasos na votação da regulação de criptomoedas pode abrir espaço para redirecionamento

Dados os recentes eventos com o colapso da Terra/Luna e a falência da FTX, a pressão para regulação de criptomoedas como uma tentativa de estabilizar esse mercado se tornou mais do que um desejo para autoridades e reguladores, mas, também, uma recomendação de segurança e gestão de riscos. Embora diferentes regiões já tenham declarado publicamente seu comprometimento em desenvolver uma legislação específica para esses ativos digitais, os estágios de estruturação das leis e o processo de aprovação ainda são barreiras para a aplicabilidade no dia a dia e o surgimento dessa nova vertente focada na caracterização como jogo de azar pode ser mais um fator de atraso se  essa ideia se fortalecer. E quanto mais o atraso se prolongar, mais tempo haverá para que isso aconteça.

É o caso da União Europeia, por exemplo. A região começou rompendo barreiras com a criação da MiCA, apostando todas as fichas na criação desse documento que pudesse ser a referência mundial no quesito legal envolvendo criptomoedas. Porém, também ao final de 2022, houve uma decisão de atrasar a votação e implementação e foi justamente nesse momento que começaram a surgir novas divergências por fora das que vinham sendo discutidas e já tinham chegado a algum consenso para formulação da proposta final.

Tem também o caso dos Estados Unidos que, durante o ano de 2022, deu os primeiros passos oficiais em direção à um posicionamento pró regulação de criptomoedas. No segundo semestre de 2022, foi publicada a primeira estrutura de recomendações e orientações para o movimento regulatório do setor de cripto no país, porém, apesar da movimentação iniciada pelo presidente Joe Biden ter sido um marco importante na história da legislação de criptomoedas nos EUA, o desenrolar desse debate ainda está em um estágio bastante inicial em comparação à outros países, o que pode   acabar criando também condições para que esse discurso contrário à regulação de criptomoedas como ativos financeiros em favor de jogos de azar cresça e se fortaleça em uma economia tão importante como a dos EUA.

Já o Brasil se encontra em posição diferente, já que  aprovou a lei de regulação de criptomoedas em território nacional ao fim de 2022. Isso faz com que, mesmo que eventualmente surjam defensores das ideias de Panetta no país, o ambiente seja pouco propício para o avanço de um debate com resultados práticos. Isso porque, ainda que haja questões fundamentais em aberto, como a segregação patrimonial, e outras frontalmente criticadas, como a não definição das autoridades regulatórias responsáveis, o arcabouço legal ter sido  votado e aprovado cria uma resistência maior para uma possível alteração em direção tão oposta no curto prazo.

O ponto realmente importante sobre isso, no entanto, não  é exatamente se algum desses países abaraçará a visão de Panetta, mas o fato de que, quando parecia que consensos estavam sendo criados na direção de enfim reduzir a exposição aos riscos do mercado, atrasos e novos dissensos entre os principais agentes do debate voltaram a ganhar força a ponto de colocar em dúvida a perspectiva de que tal exposição a riscos será reduzida via regulação no curto prazo.

Nem só regulação: apostas em CBDCs como alternativa no mundo das moedas digitais

Apesar de haver mais consenso sobre a necessidade de uma regulação de criptomoedas do que como fazê-lo – não só entre autoridades e mercado, mas entre os próprios reguladores também – aqueles mais contrários ao incentivo às criptomoedas ainda apostam no crescimento das moedas digitais dos bancos centrais (CBDCs) como alternativa. Elas são vistas como uma opção bastante sólida para “solucionar os problemas de criptomoedas”, segundo a corrente favorável à regulação de criptomoedas como jogos de azar e apostas. Isso porque, pela natureza das CBDCs, essas moedas são ativos com segurança e confiabilidade, com uma possibilidade de riscos muito menor por estarem associadas aos bancos centrais e suas reservas garantidas.

O que chama atenção em meio a esse debate, no entanto, é que elas podem aparecer como alternativa para mitigar os riscos de cripto não só por esses motivos, mas por estarem sendo desenvolvidas com maior cooperação do que as propostas regulatórias: múltiplos países participam de projetos em parceria, principalmente por meio de iniciativas do BIS. A criação de propostas regulatórias e o lançamento de CBDCs, no entanto, não são estratégias substitutas, com grandes economias apostando em ambas. A questão é que a cooperação entre os países pode tornar o caminho até as CBDCs menos tortuoso em alguns deles – EUA sendo uma notória exceção devido ao papel de moeda internacional do dólar.

Elas também não são necessariamente uma rejeição ao universo dos criptoativos que será acompanhada de regulações proibitivas, como pode sugerir a ideia de regulação como jogo de azar ou ainda a proibição geral acompanhada do lançamento do Yuan digital na China. Muitos vêm estudando e desenvolvendo CBDCs enquanto investem em criar resiliência no mercado de criptomoedas a fim de desenvolvê-lo. É o caso de Singapura, Austrália e Brasil, por exemplo.

Independente disso, fato é que um dos poucos consensos existentes nesse debate é a necessidade de mitigar os riscos e práticas questionáveis do mercado de criptomoedas. E, apesar de ainda ser cedo para dizer se essas declarações de um conselheiro executivo do BCE terão  impacto negativo na votação da MiCA na UE ou até mesmo em outras regiões, elas são um sinal de novas dificuldades  na tomada de decisão definitiva sobre o futuro da regulação de criptomoedas, o que pode alongar o prazo de circulação não supervisada dessas ferramentas digitais com alto risco para o sistema financeiro global e expor uma fragilidade à credibilidade dos agentes estáveis do mercado. E para  mudar o curso desse jogo? Talvez a abordagem aplicada às CBDCs seja a principal aposta a ser feita: o reforço da cooperação internacional.

 

Amanda Stelitano é pesquisadora do Instituto Propague e mestranda em Economia Política Internacional pela UFRJ.

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